domingo, 24 de outubro de 2010

EMENTA: AÇÃO - INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA

Apelação Cível n° 597.850.4/3-00
Comarca: Marília
Apelante: Irene Aparecida da Silveira da Costa (conv. AJ)
Apelados: Júlio César Silveira da Costa e Outro
VOTO 15651
EMENTA: AÇÃO - INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA - Filho
usuário de drogas - ProposHura pela genitora - Ausência de interesse
para agir na modalidade adequação - Extinção do processo com fulcro
no art. 267, inciso VI, do CPC - Afastamento - Admissibilidade da
medida que decorre do direito à saúde, à integridade física e mental,
constitucionalmente garantidos, com fundamento no princípio da
dignidade da pessoa humana - Recurso provido, para determinar o
processamento da ação. Deferimento da antecipação de tutela para
realização de exame psiquiátrico e conseqüente internação do
requerido, providenciando a Municipalidade, sob pena de multa diária
de R$ 500,00.
Trata-se de ação de internação compulsória que IRENE
APARECIDA DA SILVEIRA DA COSTA move contra JÚLIO CÉSAR
SILVEIRA DA COSTA e PREFEITURA MUNICIPAL DE MARÍLIA, julgada
extinta, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do Código
de Processo Civil.
O apelo da autora, com pedido de antecipação de tutela recursal,
visando o reconhecimento do interesse de agir consubstanciado na
possibilidade de realizar a internação compulsória de seu filho, dependente
químico e que vem causando sérios transtornos familiares, cujas despesas,
ademais, devem ser pagas pela Municipalidade de Marília.
Não vieram contra-razões, em face não ter sido instaurada a relação
processual.
É o relatório.
Postula a autora a internação compulsória de seu filho Júlio César
Silveira da Costa, de 24 anos de idade, sob o fundamento de ser é usuário
de drogas.
Alega que está descontrolado emocionalmente, desaparece
durante dias sem dar notícia de seu paradeiro, além de furtar comida de sua
residência para custear o vício.
Aponta que ele não tem interesse em deixar de fazer uso de
substância entorpecente, tomando-se avesso a qualquer tratamento, o que
toma imprescindível a sua internação psiquiátrica.
Aduz que não tem condições econômicas para custear o
tratamento do filho, motivo pelo qual requer que seja custeado pela
Municipalidade de Marília.
Requer em sede de antecipação de tutela recursal a internação e
tratamento psiquiátrico compulsório de Júlio César.
Em que pese o entendimento da digna magistrada sentenciante,
cabe ressaltar que a internação compulsória de pessoas portadoras de
transtornos mentais é admitida em nosso ordenamento jurídico, nos termos
do art 9o da Lei 10.216, de 6 de abril de 2001, que a conceitua como medida
"determinada, de acordo com a legislação vigente, pelo juiz competente, que
levará em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à
salvaguarda do paciente, dos demais internados e funcionários".
Também, o Decreto n° 24.559 de 3 de julho de 1934, ainda em
vigor, já admitia a internação dos toxicômanos ou intoxicados habituais por
ordem judicial ou requisição de autoridade pública ou a pedido do próprio
paciente ou solicitação de seu cônjuge, pai, filho ou parente até 4o grau, ou
outro interessado.
Aliás, o Decreto 891, de 1938, editado pelo Governo Vargas, não
revogado, prevê, no seu art. 29, que: "os toxicômanos ou os intoxicados
habituais, por entorpecentes, por inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas,
são passíveis de internação obrigatória ou facultativa por tempo determinado
ou não".
O § 1o do mencionado artigo dispõe que:
"A internação obrigatória se dará, nos casos de toxicomania por
entorpecentes ou nos outros casos, quando provada a necessidade de
tratamento adequado ao enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa
internação se verificará mediante representação da autoridade policial ou a
requerimento do Ministério Público, só se tornando efetiva após decisão
judicial".
Não se faz necessário o prévio pedido de interdição, que pode ser
requerido nos moldes do art. 1767, inciso III, do Código Civil.
Ou seja, a internação pode ser requerida como medida protetiva à
pessoa dependente de substância entorpecente, visando o seu adequado
tratamento médico, a ser imposta para salvaguardar o direito à saúde e a
integridade física e mental constitucionalmente garantidos e tendo por
fundamento o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1o, inciso III, da
Constituição Federal).
Além disso, visa também resguardar a família e a sociedade contra
qualquer ato danoso que possa ser praticado pelo dependente.
De outra parte, não se faz imprescindível o esgotamento da via
administrativa para que o interessado possa se socorrer do Poder Judiciário,
haja vista o princípio de livre acesso à Justiça.
Nesse sentido, vem se orientando a jurisprudência do Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
"APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA.
TRATAMENTO PARA DROGADIÇAO. DIREITO Á SAÚDE. ART. 196 DA
CONSTITUÇÃO FEDERAL. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS
QUANTO AO DEVER DE PRESTAÇÃO DE SAÚDE AOS NECESSITADOS.
"A Carta Federal é expressa ao assegurar o direito à vida e o
direito à saúde como garantias fundamentais, instituídas em norma de
caráter imperativo, auto-aplicáveis, de acordo com a responsabilidade
solidária dos entes federativos (art. 196 da CF/88). Assim, sendo normas
asseguradoras de direitos que se sobrepõem a quaisquer outras, sob pena
de colocar-se em risco a saúde e a vida do demandante" (Apelação Cível n°
70025882192, 7a Câmara Cível, rei. Des. Vasco Delia Giustina, julgado em
22.10.2008).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO MONOCRÁTICA,
INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. CABIMENTO. Comprovada a necessidade
de internação por dependência química e doença é de ser determinada a
medida, a fim de garantir a segurança do paciente e de seus familiares. O
direito à saúde de forma gratuita é garantia fundamental e dever do Estado
(artigo 196 da Constituição Federal). Agravo não provido" (Agravo de
Instrumento n° 70026400119, Oitava Câmara Cível, rei. Des. Alzir Felippe
Schmitz, julgado em 30.9.2008).
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA.
LEGITIMIDADE ATIVA DA COMPANHEIRA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO
MUNICÍPIO. OFENSA A PRINCÍPIOS. O pedido de internação compulsória é
procedimento de jurisdição voluntária, que não tem partes, mas sim
interessados. E a companheira tem legítimo interesse para postular
providências que busquem a garantia da saúde e da integridade física do
companheiro. Os entes estatais são solidariamente responsáveis pelo
atendimento do direito fundamental à saúde, não havendo razão para cogitar
em ilegitimidade passiva ou em obrigação exclusiva de um deles. Nem
mesmo se o remédio, substância ou tratamento postulado não se encontre
na respectiva lista, ou se encontre na lista de outro ente, ou tenha custo
elevado. Em razão da qualidade fundamental do direito à saúde, a
condenação dos entes estatais ao custeio de internação para tratamento de
dependência química não representa ofensa aos princípios da separação dos
poderes, do devido processo legal, da legalidade ou da reserva do possível,
e não caracteriza ofensa a eventuais restrições orçamentárias" (Agravo de
Instrumento n° 70026628610, 8a Câmara Cível, rei. Des. Rui Portanova,
julgado em 26.9.2008).
"APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ORDINÁRIA. INTERNAÇÃO
COMPULSÓRIA. TRATAMENTO PARA DROGADIÇÃO. DIREITO À SAÚDE
ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. 1) Cabe ao necessitado optar
pelo ente que deverá fornecer-lhe o tratamento médico de que necessita,
descabendo a alegação de que a presente demanda não enseja a utilização
da via judicial. A Administração Pública não pode eximir-se de obrigação que
lhe é constitucionalmente outorgada para afastar do Poder Judiciário a
análise dos fatos que envolvem eventual violação de direito. 2) A via judicial
é adequada para postular-se tratamento contra drogadição, quando o Poder
Público não disponibiliza recursos para tal. Ademais, o acesso à Justiça é
direito constitucionalmente assegurado a todos os cidadãos (CF, art. 5o, inc.
XXXV). 3) É dever do Estado assegurar a efetivação dos direitos referentes à
saúde, devendo ser fornecido o tratamento médico ou o medicamento ao
jovem necessitado (ECA, art. 4o caput). Recurso provido" (Apelação cível n°
70024989147, 8a Câmara Cível, rei. Des. José Ataídes Siqueira Trindade,
julgado em 3.9.2008).
Este Tribunal, inclusive, já se posicionou favorável à internação
compulsória de filho adotivo, que é alcoólatra e freqüentemente agredia o
casal de idosos, medida ademais proposta pelo Ministério Público Estadual
(Apelação Cível n° 457.686-4/2, São Carlos, 6a Câmara de Direito Privado,
rei. Des. Waldemar Nogueira Filho, julgada em 4.10.2007).
O julgado, ademais, ressalta a lição de Antônio Rulli Neto, no
sentido de proteção ao idoso, em que pode o juiz, diante do caso concreto,
adotar a medida que entender necessária à proteção da pessoa idosa, como
determinado no Estatuto, que privilegiou todas as medidas que possam
garantir a vida digna do idoso, independentemente do procedimento ou tipo
de ação (Proteção Legal do Idoso no Brasil, Fiúza Editores, 2003, p. 320)
Na hipótese, vale notar que a autora juntou documento emitido
pelo serviço de saúde da Prefeitura Municipal de Marília dando conta de que
o filho é "usuário de drogas: maconha, crack, cocaína e necessita de apoio
multiprofissionar (fl. 18).
Também, o relatório médico de fl. 28 faz menção de que o usuáriopaciente
não comparece aos retornos marcados, tendo dificultado o seu
tratamento ambulatorial, que vem sendo feito por meio do SUS, motivo pelo
qual há indicação médica para internação.
Assim, tendo em conta os elementos existentes nos autos, que
indicam a presença dos requisitos do art. 273 do Código de Processo Civil,
defere-se o pedido de antecipação de tutela para determinar a imediata
realização de exame psiquiátrico no réu Júlio César e a conseqüente
internação, a ser providenciada pela Municipalidade, se houver parecer
médico nesse sentido, sob pena de multa diária de R$ 500,00.
Conseqüentemente, dá-se provimento ao recurso para, anulada a
sentença extintiva do feito, determinar o processamento da ação nos seus
ulteriores termos, citando-se o requerido e a Municipalidade, deferida a
antecipação de tutela recursal.
Em face do exposto, ao reclamo é dado provimento.
SILVÉRIO RIBEIRO
Relator
Ap. Cível n" 597.850.4/3-00 - Marília