quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Doutrina

ALIMENTOS GRAVÍDICOS - DIREITO CIVIL – FAMÍLIA – PROFº FLÁVIO MONTEIRO DE BARROS
INTRODUÇÃO
A irresponsabilidade masculina era apoiada pela legislação pátria, que blindava os homens contras as ações de alimentos no período de gestação, quando não houvesse casamento ou união estável entre o suposto pai e a mãe do nascituro.
É certo, pois, que uma parcela da jurisprudência já vinha admitindo ações de alimentos ajuizadas diretamente pelo nascituro, argumentando que o art. 2º do Código Civil põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, enquanto outra camada jurisprudencial negavalhe a legitimidade para o direito de ação, deixando-o ao desamparo, sob o pretexto de que ele não tem personalidade jurídica senão após o nascimento com vida.
E, mesmo a corrente que lhe franqueava o acesso ao judiciário, impunha-lhe como requisito a demonstração prévia do vínculo de paternidade, dificultando sobremaneira o sucesso deste tipo de ação.
A Lei n. 11.804, de 05 de novembro de 2008, ao regular os alimentos gravídicos, conferindo legitimidade ativa à própria gestante, acabou com a imunidade dos homens, de modo que estes, a partir de então, tornaram-se também responsáveis pelas despesas decorrentes da gestação, propiciando a nova lei a reconciliação entre o Direito e a Justiça.
CONCEITO E CONTEÚDO
Alimentos gravídicos são os destinados a cobrir as despesas decorrentes do período da gravidez.
Referidos alimentos visam atender às seguintes
despesas:
a) alimentação especial;
b) assistência médica e psicológica;
c) exames complementares;
d) internações;
e) partos;
f) medicamentos;
g) demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do
médico, além de outras que o juiz considerar pertinentes.
Este rol, como se vê, não é taxativo, pois outras despesas pertinentes podem ser consideradas pelo juiz.
LEGITIMIDADE ATIVA
O direito aos alimentos gravídicos é titularizado pela mulher gestante, sendo, pois, ela a parte legítima para a propositura da sobredita ação, conforme se depreende da análise do art. 1º da Lei n. 11.804/08, independentemente de vínculo conjugal ou união estável com o suposto pai do nascituro.
Enquanto a ação de alimentos movida pelo nascituro é baseada na relação de parentesco, razão pela qual a jurisprudência exige a demonstração do vínculo de paternidade, dificultando, destarte, o êxito desta ação, nos alimentos gravídicos, a legitimidade ativa é da própria gestante, independentemente de existir entre ela e o suposto pai do nascituro casamento ou união estável, bastando apenas a existência de indícios de paternidade, não se exigindo que a relação de filiação seja demonstrada
cabalmente.
A legitimidade passiva é exclusiva do suposto pai, não se estendendo aos avôs paternos ou outros parentes eventuais do nascituro, cuja obrigação alimentar é sustentada na comprovação do vínculo de parentesco e não apenas em indícios. Nada obsta, porém, que o próprio nascituro, e não sua mãe, mova ação de alimentos contra os avôs paternos e outros parentes, nos moldes do art. 1.698 do Código Civil, mas, nesse caso, impõe-se que o vínculo de parentesco seja comprovado, de preferência por
exame de DNA, na própria ação de alimentos, mas estes alimentos não são gravídicos, pois o destinatário não é a gestante e sim o próprio nascituro.
Em havendo pluralidade de homens suspeitos da condição de pais da criança, creio que o litisconsórcio passivo só se justifica quando a autora houver sido vítima de algum delito sexual cometido por eles, em concurso de pessoas, ou comprovar o concubinato conjunto entre eles, devendo a sentença estabelecer a divisibilidade da obrigação entre todos.
Tratando-se, porém, de prostituta ou mulher depravada, que, no período da Concepção, deitou-se com vários homens,o litisconsórcio passivo representa uma confissão da pluralidade de relacionamentos, excluindo a existência de indícios veementes de paternidade sobre um ou outro réu, impondo-se, destarte, a improcedência da ação. Aliás, o réu acionado judicialmente pode na contestação invocar a “exceptio plurium concubentium”, cuja comprovação levará ao insucesso da demanda.
CRITÉRIO DE FIXAÇÃO
Os alimentos gravídicos são fixados como os outros, tendo, pois, por base o binômio necessidade e possibilidade.
O ônus da prova da necessidade é afeto à alimentada, amparando-se, para comprovação de certas despesas, em exames médicos.
Vale lembrar que o futuro pai não é obrigado a custear, na íntegra, estas despesas, porque a obrigação de alimentos é divisível. A propósito, sobre o assunto, dispõe o parágrafo único do art. 2º da Lei n. 11.804/08:
“Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição
que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.
DURABILIDADE
Em regra, os alimentos são fixados por prazo indeterminado, perdurando no tempo com a cláusula “ rebus sic stantibus ”, mas os gravídicos têm duração certa, restringindo-se ao período de gravidez,
cessando, para a parturiente, tão logo sobrevenha o nascimento.
São, pois, devidos à gestante no período de vida “intrauterina”, desde que se comprove a necessidade, e cessando com o nascimento, ainda que persista a necessidade. Vê-se, portanto, que a lei deixa ao desamparo a parturiente que, após o nascimento, passa a ter complicações em razão do parto, necessitando de verbas alimentares.
A partir do nascimento, os alimentos gravídicos têm os
seguintes destinos:
a) nascimento com vida: convertem-se em pensão alimentícia em favor do
menor até que uma das partes solicite a sua revisão ou exoneração
(parágrafo único do art. 6º da Lei n. 11.804/08);
b) natimorto: os alimentos extinguem-se automaticamente.
De acordo com Maria Berenice Dias:
“Quando do nascimento, os alimentos gravídicos mudam de natureza, se convertem em favor do filho, apesar do encargo do poder familiar ter parâmetro diverso, pois
deve garantir ao credor o direito de desfrutar da mesma condição social do devedor”.
De qualquer forma, esclarece a prestigiada jurista:
“Nada impede que o juiz estabeleça um valor para a gestante, até o nascimento e atendendo ao critério da proporcionalidade, fixe alimentos para o filho, a partir do
seu nascimento”.
Discordo desse último parágrafo, pois a ação de alimentos gravídicos não tem o objetivo de criar vínculo definitivo de paternidade. Não se pode olvidar que o suposto pai, que figura como réu nesta ação, é condenado a pagar alimentos com base em meros indícios de paternidade, logo as verbas alimentares não podem ultrapassar o conteúdo fixado pela Lei n. 11.804/08, cujo objetivo é a tutela dos direitos do nascituro e da gestante. Para que o valor dos alimentos abranja outras despesas como
educação, alimentação, habilitação, saúde etc., é essencial a propositura de outra ação, seja apenas de alimentos ou investigação de paternidade cumulada com alimentos, na qual se permitirá a ampla discussão da paternidade, realizando-se, inclusive, os exames periciais pertinentes.
Ademais, cumpre ressaltar que a mãe, na ação de alimentos gravídicos, no que tange aos alimentos devidos a partir do nascimento, figura como substituta processual de seu filho, defendendo em nome próprio interesse alheio, e, como se sabe, a substituição processual só é cabível nos casos expressos em lei, de modo que ela não pode pleitear outras verbas que não aquelas compreendidas na Lei n. 11.804/08.
ASPECTOS PROCESSUAIS
A legitimidade para figurar no pólo ativo da relação processual, conforme já vimos, é da própria gestante e não do nascituro, figurando o suposto pai como sendo o réu da ação.
O foro competente é o domicílio da autora (alimentada), conforme prevê o art. 100, inciso II do Código de Processo Civil, porquanto o art. 3º da Lei n. 11.804/08, que previa, de forma absurda, o domicílio do réu, acabou sendo vetado pelo Presidente da República.
A petição inicial deve vir instruída com a comprovação da gravidez e dos indícios de paternidade do réu. Ainda que a gravidez seja inviável os alimentos gravídicos são devidos.
O juiz, ao despachar a inicial, convencendo-se da existência de indícios de paternidade, fixará liminarmente os alimentos provisórios (art. 6º da Lei n. 11.804/08).
Para a concessão da liminar não há necessidade de designação de audiência de justificação para ouvir a autora, o réu ou testemunhas. Esta exigência, que constava no art. 5º do projeto de lei, foi vetada pelo Presidente da República.
De fato, esta audiência de justificação não é obrigatória em nenhum procedimento, logo seria ilógico exigi-la justamente em ações de alimentos, que são guiadas pelos princípios da proteção integral e celeridade processual.
Foi também vetado o odioso art. 9º da Lei 11.804/08, que determinava a incidência dos alimentos só a partir da citação, pois, dessa forma, o réu se beneficiaria com a procrastinação do ato citatório. Assim, seguindo a trilha normal das ações de alimentos, o juiz deve fixá-los na data em que despacha a petição inicial, desde que haja indícios de paternidade.
Indícios, de acordo com De Plácido e Silva, “são circunstâncias que se mostram e se acumulam para a comprovação do fato, assim tido como verdadeiro”.
Os indícios são fatos conhecidos a partir dos quais se demonstra um fato desconhecido. Com efeito, considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.
A título de exemplos desses indícios de paternidade, podemos citar: cartas ou e-mails em que o suposto pai admite a paternidade, comprovação de hospedagem do casal em hotel ou pousada no período da concepção, inseminação artificial consentida, fotografias que comprovem o relacionamento amoroso no período da concepção etc.
Se, porém, a autora não juntar, com a petição inicial, indícios consubstanciados em papel, o magistrado, para apreciar a liminar, não terá outro caminho senão a designação de audiência de justificação, onde poderá ouvir as partes e testemunhas arroladas, requisitando, se o caso, documentos que estejam em poder de terceiros.
Após a apreciação da liminar, o réu será citado para apresentar resposta em cinco dias. Havendo oposição à paternidade, o juiz não pode impor a realização de exame de DNA por meio da coleta de líquido amniótico, porque isto pode colocar em risco a vida da criança, além de procrastinar o andamento processual.
A obrigatoriedade do exame pericial, que constava no projeto de lei, foi vetada.
É silente a lei acerca do rito processual, mas ao prever a apresentação da resposta, em 05 (cinco) dias, antes da audiência, força convir que não é possível a adoção do procedimento previsto na Lei n. 5.478/68, que prevê a apresentação da resposta na audiência, de modo que,após a resposta, o rito é o ordinário.
Vale lembrar que a ação de alimentos gravídicos visa fixar a relação de filiação com base em indícios de paternidade, não se exigindo a certeza, conferindo para o suposto filho uma tutela jurisdicional provisória, similar à concedida nas ações cautelares e possessórias,porquanto após o nascimento o vínculo de paternidade pode ser desconstituído mediante ação de exoneração na qual se poderá realizar o exame de DNA.
Todavia, ainda que o suposto pai não ingresse com esta ação de exoneração, o vínculo parental, que se fixou na ação de alimentos, é restrito ao objeto desta ação,sujeitando-se apenas à coisa julgada formal (efeito endoprocessual), de modo que o reconhecimento pleno, com força de coisa julgada material (efeito pan processual), deve ser buscado em ação autônoma de investigação de paternidade.
DANOS MORAIS E REPETIÇÃO DE INDÉBITO
A ação de alimentos gravídicos movida contra quem não
era verdadeiro pai traz à baila a discussão de duas questões.
A primeira é a responsabilidade civil pelos danos
materiais e morais na hipótese de improcedência da ação.
A segunda diz respeito à repetição de indébito quando,
malgrado a concessão da liminar de alimentos provisionais, a ação, no final,
acaba sendo julgada improcedente, ou, então, não obstante a procedência,
opera-se a exoneração do devedor, em ação posterior, pela comprovação em
exame DNA ou outras provas, da ausência do vínculo de paternidade.
Sobre a primeira questão, o art. 9º do projeto da lei dos
alimentos gravídicos preceituava:
“Em caso de resultado negativo do exame pericial de
paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos
danos materiais e morais causados no réu.”
Referido dispositivo, que afrontava o princípio
constitucional do acesso à justiça, prevendo direito à indenização pelo
simples fato de ter sido acionado judicialmente, acabou vetado.
De fato, conforme observa a Desembargadora Maria
Berenice Dias, esta possibilidade criava perigoso antecedente, abrindo
espaço a que toda ação desacolhida, rejeitada ou extinta conferisse direito
indenizatório ao réu.
Todavia, não obstante o veto, a brilhante civilista Regina
Beatriz Tavares da Silva pronuncia-se pelo dever de a autora indenizar o réu
invocando, para tanto, o art. 186 do Código Civil, que prevê a
responsabilidade subjetiva, isto é, condicionada à presença do dolo ou culpa,
argumentando que o veto visou eliminar apenas a responsabilidade objetiva
da autora, o que lhe imporia o dever de indenizar independentemente da
apuração da culpa e atentaria contra o livre exercício do direito de ação.
Discordo parcialmente dessa orientação, pois a invocação do art. 186 do Código Civil tornaria indenizável praticamente todas as hipóteses de improcedência da ação, pois evidentemente age, no mínimo com culpa, a mulher que atribui prole a quem não é o verdadeiro pai.
A responsabilidade civil por imputação de falsidade em processo judicial não pode escorar-se apenas na culpa, sob pena de violação do princípio do acesso à justiça. Temerárias com esta conseqüência as pessoas certamente não se animariam à propositura de ações judiciais.
A meu ver, somente diante de prova inconcussa irrefragável da má-fé e do dolo seria cabível ação de indenização pelos danos materiais e morais, não bastando assim a simples culpa. Se, não obstante a improcedência da ação, a autora tinha motivos para desconfiar que o réu fosse o pai do nascituro, à medida que manteve relações sexuais com ele no período da concepção, não há falar-se em indenização.
A segunda questão, repetição da quantia paga injustamente, é resolvida pelo princípio da irrepetibilidade dos alimentos, cuja exceção só seria viável mediante norma expressa. Portanto, não é lícito ao suposto pai mover ação judicial para reaver da mãe do nascituro os alimentos pagos, porquanto os alimentos visam garantir a sobrevivência da pessoa, e, por isso, não há falar-se em enriquecimento à custa de outrem, afastando-se, destarte, a possibilidade de invocação do art. 884 do Código Civil.
É, no entanto, cabível ação “in rem verso” contra o verdadeiro pai, desde que este tenha agido com dolo, silenciando intencionalmente sobre a paternidade, locupletando-se indiretamente com o pagamento dos alimentos feito por quem não era o genitor da criança.
Outra questão interessante surge quando o alimentante não efetua o pagamento dos alimentos gravídicos, a que fora condenado, movendo, posteriormente, ação de exoneração, comprovando, mediante DNA, que não é pai da criança. Nesse caso, poder-se-ia questionar a persistência ou não da obrigação de pagar os alimentos gravídicos em atraso.Impõe-se resposta positiva, porquanto a sentença de exoneração tem eficácia
“ex nunc”, e, ademais, não pode substituir a ação rescisória, que é o meio processual para desconstituir a sentença anterior. Assim, somente por ação
rescisória o alimentante poderia libertar-se da obrigação de pagar o débito em
atraso. Se, porém, no mesmo processo, sobrevier sentença de improcedência
da ação de alimentos gravídicos, os eventuais débitos em atraso, oriundos da concessão da liminar, não serão devidos, porquanto esta sentença tem
eficácia “ex tunc”, cassando os efeitos da liminar anteriormente concedida.
PRISÃO CIVIL
È cabível a prisão civil do devedor de alimentos gravídicos, pois o artigo 11 da Lei 11.804/08 reporta-se à lei 5478/68, que regulamenta a sobredita prisão. Ademais, trata-se de alimentos de direito de família, e, por isso, não há razão plausível para a exclusão da prisão civil.
DIREITO SUCESSÓRIO
Vencendo a ação de alimentos gravídicos, e falecendo posteriormente, sem que tivesse recebido os valores devidos, é possível discutir o destino dos alimentos em atraso.
Uma primeira corrente aplicará o disposto no artigo 1829 do Código Civil, partilhando o crédito entre todos os descendentes da autora.
Outra corrente destinará este crédito apenas ao filho, na época nascituro, que possibilitou o ajuizamento da ação de alimentos gravídicos, tendo em vista que a pensão visava beneficiá-lo, titularizando, por via por via indireta, estes valores.

Execução da sentença homologatória de transação ou de conciliação com obrigação pecuniária


O processo civil foi objeto de profundas modificações nos últimos anos. De fato, vários projetos de leis foram aprovados, com o escopo de modernizar o instrumento da atividade jurisdicional. Dentre os diversos diplomas normativos aprovados, grande relevância pode-se conceder para a Lei n. 11.232/05, que, dentre outros aspectos, modificou o procedimento de cumprimento de sentença.
Questão que merece análise, nesse contexto, é a relacionada ao cumprimento da sentença que homologa a transação ou a conciliação realizada entre as partes. Realmente, na praxe forense é comum observar a realização de acordos entre os litigantes para por fim aos processos judiciais. Ademais, nos termos do art. 125, inc. IV, do CPC compete ao magistrado "tentar, a qualquer tempo, conciliar as partes".
De toda sorte, uma vez homologado eventual acordo entre as partes, caso o mesmo não seja cumprido, haverá azo à atividade jurisdicional executiva. Por outras palavras: caso não seja honrado o acordo celebrado pela parte, o prejudicado poderá requerer ao juiz que seja encetada a atividade de realização, de concretização do direito que foi reconhecido na sentença que homologou o acordo.
Neste ensejo, pretende-se realizar uma digressão sobre os diversos aspectos relacionados ao cumprimento da sentença homologatória de acordo que contemple obrigação pecuniária.

A sentença homologatória de conciliação ou de transação como título executivo judicial

Reza o art. 585, inc. III, do Código de Processo Civil que constitui título executivo judicial "a sentença homologatória de conciliação ou de transação, ainda que inclua matéria não posta em juízo". Insta registrar que a conciliação e a transação não se confundem. A primeira é realizada perante o magistrado, que exerce influência em relação às partes. Já a segunda é realizada na esfera extrajudicial, mas é levada, num segundo momento, para ser homologada por parte do magistrado. Em ambas as situações, de toda sorte, já há litispendência.
É importante registrar, da mesma forma, que a conciliação e a transação podem versar sobre matéria não posta em juízo pelo autor. O autor, embora seja o responsável por estabelecer o limite da demanda na peça vestibular, poderá realizar um acordo com a parte ex adversa que verse sobre matéria não constante da sua peça exordial.
De qualquer sorte, o limite para a aplicação pelo magistrado do art. 585, inc. III, do CPC é a competência em razão da matéria. Não pode, com efeito, o juiz homologar um acordo que verse sobre matéria não posta em juízo pelo autor se não tiver competência ratione materiae. Um juiz da vara cível, por exemplo, não pode homologar acordo que verse sobre questão cível e, também, trabalhista.
Quadra registrar, ainda, que o art. 585, inc. V, do Código de Processo Civil esclarece ser título executivo judicial "o acordo extrajudicial, de qualquer natureza, homologado judicialmente". O preceptivo pouco se difere do inciso III do art. 585 do CPC, dantes mencionado. De todo modo, a principal diferença apontada pela doutrina é que, na hipótese do inciso V, do art. 585 do CPC não há ação ajuizada, enquanto na situação prevista no inciso III, do art. 585 do CPC já há uma ação em curso.

Procedimento a ser adotado para execução do acordo homologado judicialmente

Indaga-se sobre a forma de execução da sentença homologatória do acordo que contemple obrigação pecuniária não cumprida pelo devedor. In casu, aplica-se o rito do art. 652 do Código de Processo Civil, com a concessão do prazo de três dias para realização do pagamento, sob pena de penhora? Ou, então, o rito do art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil, com a concessão do prazo de quinze dias para pagamento, sob pena de incidência de multa de dez por cento do valor da condenação?
Na doutrina há quem sustente que o rito do art. 475-J, caput, do CPC, bem como a possibilidade de aplicação da multa de dez por cento do valor da condenação somente seria aplicável nos casos de sentença condenatória. Com efeito, o art. 475-J, caput, do CPC faz referência ao devedor "condenado ao pagamento de quantia certa". De acordo com essa vertente, como na sentença que homologa o acordo não há efetivamente condenação, mas tão-somente declaração de validade do que foi entabulado pelas partes, não seria aplicável o rito de cumprimento de sentença do art. 475-J do Código de Processo Civil.
Não vislumbro, particularmente, qualquer impossibilidade na utilização do rito do art. 475-J, caput do Código de Processo Civil para obter-se a execução do acordo que foi homologado. O fato de o art. 475-J, caput do CPC fazer referência à condenação em nada impede a execução do acordo homologado pelo rito nele previsto. Realmente, seria demasiado formalismo não se admitir a execução do acordo homologado pelo rito de cumprimento de sentença tão-somente pela menção no dispositivo a devedor "condenado".
Ora, o acordo homologado judicialmente constitui-se em título executivo judicial. E, como tal, deverá ser executado da mesma forma que os demais títulos executivos judiciais, isto é, pelo rito previsto no art. 475-J, caput, do CPC. Não me parece razoável, pelo mero fato de o preceito acima mencionado fazer referência à condenação, não se admitir a execução do acordo homologado pelo procedimento do art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil.
Ademais, em nenhum momento o art. 475-J, caput do Código de Processo Civil proíbe a execução pelo rito nele previsto do acordo homologado judicialmente! Não havendo proibição expressa no texto legal, não me parece razoável deixar de aplicar o rito mais moderno e mais célere do citado preceito para a execução da sentença que homologa acordo.
A perspectiva instrumental do direito processual também conduz a essa conclusão. Não se pode mesmo admitir que a execução de uma sentença condenatória, oriunda da resolução de uma lide, seja diversa da execução de uma sentença que homologou um acordo celebrado entre as partes! Ambos os provimentos são ontologicamente idênticos; na essência, ambos são provimentos que resolvem o mérito da demanda. É o que se pode intrujir do disposto nos incs. I e III, do art. 269, do CPC.

Termo a quo do prazo de quinze dias previsto no art. 475-J, caput do Código de Processo Civil
O acordo homologado judicialmente, caso não seja cumprido, deverá ser executado. Como registrado alhures, o procedimento a ser adotado para essa situação é o previsto no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil. Indaga-se, contudo, sobre o termo inicial de fluência do prazo de quinze dias, previsto no citado preceptivo, para realização do pagamento.
Insta esclarece que o devedor terá, em princípio, o prazo entabulado entre as partes para que possa efetuar o pagamento. Caso não seja realizado o cumprimento da obrigação no prazo acordado, o credor deverá requerer a execução da sentença homologatória do acordo na forma do art. 475-J do Código de Processo Civil. Esse requerimento é uma simplex petita e não uma ação de execução.
O devedor, então, será intimado para realizar o pagamento da importância estipulada no acordo, no prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, incidir multa no importe de dez por cento do valor pactuado. Note-se que a intimação é para que o executado cumpra o acordo em quinze dias, sob pena de incidência da multa legal. Nem se argumente que a intimação é desnecessária, porquanto o executado já tinha conhecimento da obrigação. É que a intimação deverá ser realizada não para ciência da obrigação, mas sim para que haja a incidência da multa prevista no art. 475-J, caput do Código de Processo Civil.
Caso o executado não cumpra a determinação prevista no mandado de intimação, deverá o magistrado ordenar, desde logo e a requerimento da parte, a realização da penhora on line. Tal penhora é realizada por meio do sistema BACENJUD e encontra espeque nos arts. 655, inc. I e 655-A do Código de Processo Civil. Caso não se logre êxito na referida penhora, poderá ser utilizado o sistema RENAJUD, para o fim de ser penhorado eventual veículo que seja de propriedade do executado.
De qualquer sorte, não havendo êxito na realização das penhoras mencionadas, deverá ser expedido o mandado de penhora e de avaliação. Note-se que não haverá nova intimação, sendo expedido, desde logo, mandado para o fim de serem constritos bens do devedor. Em seguida, a execução prosseguirá com a prática dos atos expropriatórios.

A possibilidade de cobrança da multa de 10% prevista no art. 475-J, caput do CPC com a multa estipulada no acordo judicial

Outra questão oportuna a ser analisada refere-se à incidência da multa de dez por cento, prevista no art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil, cumulativamente com a multa eventualmente fixada no acordo entabulado entre as partes. Por outras palavras: caso as partes tenham estipulado no acordo uma multa pelo não cumprimento tempestivo da obrigação entabulada, haverá algum óbice na cobrança da multa do art. 475-J, caput, do CPC?
Cite-se, como exemplo, situação na qual as partes tenham chegado a uma composição do litígio, estabelecendo a obrigação de uma delas em adimplir a importância de cinco mil reais, no prazo de dez dias. E, para a situação de não cumprimento da obrigação, tenham as partes estipulado uma cláusula penal de vinte por cento do valor da obrigação principal.
Diante dessa situação, não havendo cumprimento da obrigação, poderá o credor cobrar o valor do principal mais a multa de vinte por cento, sem prejuízo da cobrança da multa de dez por cento, prevista no art. 475-J, caput do Código de Processo Civil? Por outras palavras: é possível cumular a cobrança da cláusula penal entabulada no acordo que foi judicialmente homologado com a multa de dez por cento do art. 475-J do Código de Processo Civil?
Não há qualquer óbice na cobrança das duas multas: a relativa à cláusula penal e a relativa ao art. 475-J do CPC. Na verdade, uma multa não exclui a outra. De fato, as origens das multas são diversas: uma tem origem no encontro de vontade das partes e a outra decorre ex lege, ou seja, tem origem no texto legal. A primeira tem natureza indenizatória, enquanto a segunda, tem natureza punitiva. Desse modo, considerando-se a diversidade da origem de cada uma das multas, nada obsta que ambas sejam cobradas.
É importante registrar, de qualquer sorte, que há orientação na doutrina no sentido da não aplicação da multa do art. 475-J, caput do Código de Processo Civil nos casos em que já há previsão de cláusula penal no acordo entabulado pelas partes e homologado pelo magistrado. A jurisprudência, contudo, é no sentido da inexistência de bis in idem na cobrança da multa pactuada pelas partes, a título de cláusula penal, com a multa do art. 475-J, caput, do Código de Processo Civil.

Considerações finais

Como visto alhures, a sentença que homologa a transação ou a conciliação, ainda que verse sobre matéria não posta em juízo pelo autor da demanda, constituirá título executivo judicial. Não cumprido o acordo homologado pelo magistrado, o prejudicado deverá provocar o Judiciário para que seja inaugurada a fase executiva.
A sentença que homologou a conciliação ou a transação e que vier a estabelecer alguma obrigação pecuniária será executada pelo rito previsto no art. 475-J do Código de Processo Civil. Desse modo, caso não seja cumprido o acordo na data aprazada, poderá o credor requerer a intimação do devedor para cumprir a obrigação no prazo de quinze dias, sob pena de, não o fazendo, incidir multa de dez por cento do valor pactuado.
Reitere-se que a multa do art. 475-J, caput do Código de Processo Civil não afasta a incidência de eventual multa contratual estabelecida no instrumento de transação ou de conciliação. É que as referidas multas têm origens distintas: a primeira decorre ex lege, enquanto a segunda tem origem no encontro de vontades dos litigantes. Não há, pois, bis in idem.
O magistrado deve facilitar ao máximo o processamento da execução de sentença que homologou a transação ou a conciliação. De fato, neste caso, não se pode olvidar que o direito do credor foi reconhecido pelo próprio devedor e de modo voluntário! O princípio constitucional do acesso à justiça, nesse particular, demanda do magistrado uma postura que se afaste do formalismo, de sorte a conduzir o processo pautando-se na máxima efetividade da jurisdição, rechaçando, assim, os eventuais incidentes procrastinatórios causados pelo executado.